cambuci

A RIQUEZA DA FLORA PAULISTA

O estado de São Paulo abriga porção significativa da Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta e um dos mais ameaçados. Mesmo com apenas 28% de sua cobertura florestal original preservada, o território paulista ainda concentra milhares de espécies vegetais nativas com potencial de uso econômico sustentável. Muitas destas espécies são manejadas há gerações por comunidades tradicionais, que desenvolveram conhecimentos sobre épocas de coleta, técnicas de beneficiamento e usos alimentícios, medicinais, artesanais e ornamentais.

A Rede Sociobiodiversidade SP está mapeando sistematicamente espécies da flora nativa paulista que apresentam cadeias produtivas estruturadas ou potencial de estruturação. O trabalho integra levantamentos botânicos, caracterização de usos tradicionais e comerciais, identificação de mercados, análise de viabilidade econômica e avaliação de aspectos legais e regulatórios. As informações coletadas são organizadas no Banco de Dados da Sociobiodiversidade e subsidiam a elaboração de manuais de boas práticas e planos de ação para fortalecimento das cadeias.

ESPÉCIES PRIORITÁRIAS EM DESTAQUE

JUÇARA (Euterpe edulis)

A palmeira-juçara é uma das espécies mais emblemáticas da Mata Atlântica e símbolo das cadeias da sociobiodiversidade no Sul e Sudeste do Brasil. Historicamente explorada de forma predatória para extração do palmito, a espécie sofreu forte redução populacional e foi incluída em listas de espécies ameaçadas. Nas últimas duas décadas, desenvolveu-se modelo inovador de manejo sustentável focado na produção de polpa a partir dos frutos, preservando as palmeiras e garantindo regeneração natural da espécie.

Características:

  • Palmeira de crescimento lento, produção de frutos a partir de 7-8 anos
  • Frutos roxos, pequenos (1-1,5cm), ricos em antocianinas e nutrientes
  • Ocorrência: florestas úmidas da Mata Atlântica, especialmente Vale do Ribeira
  • Produção sustentável: coleta de frutos sem corte da palmeira

Usos e produtos:

  • Polpa congelada (similar ao açaí amazônico)
  • Sucos, sorvetes, geleias, licores
  • Cosméticos (óleo das sementes)
  • Mudas para restauração ecológica

Cadeia estruturada: O Vale do Ribeira possui a cadeia de juçara mais consolidada do estado, com dezenas de famílias de agricultores familiares, quilombolas e caiçaras envolvidos na coleta, cooperativas de beneficiamento, e comercialização em mercados locais e regionais. A Rede está mapeando gargalos relacionados a: regularização sanitária de agroindústrias familiares, logística de coleta e transporte, acesso a mercados institucionais, e certificação orgânica e de comércio justo.

CAMBUCI (Campomanesia phaea)

O cambuci é fruta nativa da Mata Atlântica endêmica da região da Serra do Mar paulista, de sabor ácido e aromático singular. Praticamente desconhecido até poucos anos atrás, o cambuci vem ganhando reconhecimento gastronômico e despertando interesse de mercados diferenciados. A espécie apresenta duplo potencial: produção de frutos para alimentação e uso de mudas em sistemas agroflorestais e restauração ecológica.

Características:

  • Arbusto ou pequena árvore (até 5m), crescimento rápido
  • Frutos verdes-amarelados, achatados, com aroma intenso e sabor ácido
  • Ocorrência natural: regiões serranas da Mata Atlântica paulista
  • Produção: inicia frutificação entre 4-6 anos

Usos e produtos:

  • Geleias, compotas, licores artesanais
  • Sucos, sorvetes e produtos de confeitaria
  • Ingrediente para gastronomia criativa (chefs e restaurantes)
  • Mudas para pomares domésticos e agrofloresta

Cadeia em estruturação: A cadeia do cambuci está em fase inicial de estruturação, com produtores dispersos, predominantemente extrativistas. Gargalos identificados incluem: escassez de mudas para plantio comercial, desconhecimento de técnicas de cultivo e manejo, ausência de agroindústrias locais de beneficiamento, preço elevado do fruto in natura (limitando mercado), e necessidade de desenvolver produtos com maior vida de prateleira. A Rede está apoiando articulação de produtores e mapeamento de pesquisas sobre propagação e cultivo.

PINHÃO (Araucaria angustifolia)

O pinhão, semente da araucária ou pinheiro-brasileiro, é alimento tradicional das populações do Sul do Brasil e de áreas de altitude do estado de São Paulo. A araucária é espécie-chave de ecossistemas de altitude da Mata Atlântica, em forte processo de fragmentação. A coleta de pinhão é atividade tradicional de povos indígenas e comunidades rurais, com importância cultural, alimentar e econômica. Contudo, a cadeia enfrenta desafios relacionados à legislação restritiva de corte e manejo, e à irregularidade no abastecimento devido à variação interanual de produção.

Características:

  • Árvore de grande porte (até 50m), crescimento muito lento
  • Sementes (“pinhões”) grandes (4-7cm), ricas em amido
  • Ocorrência: florestas com araucária, em altitudes acima de 500-600m
  • Produção: começa após 10-15 anos, com ciclos de maior e menor safra

Usos e produtos:

  • Consumo in natura (cozido, assado)
  • Farinha de pinhão para produtos de panificação
  • Doces, conservas, licores
  • Potencial para ração animal e alimentação de fauna silvestre

Cadeia com desafios legais: A cadeia do pinhão é historicamente consolidada mas enfrenta gargalos significativos. A legislação ambiental restritiva em relação ao corte de araucárias cria insegurança jurídica para produtores. A variabilidade interanual de produção (ciclos de 2-3 anos) dificulta planejamento de mercado e agroindústria. Há necessidade de regularização de coleta em áreas particulares e públicas, desenvolvimento de produtos processados com maior valor agregado, e articulação de políticas de fomento ao plantio de araucária em sistemas produtivos.

OUTRAS FRUTÍFERAS NATIVAS DA MATA ATLÂNTICA

UVAIA (Eugenia pyriformis)

Fruta nativa de polpa amarela, suculenta e levemente ácida, com aroma intenso característico. Árvore de pequeno porte (até 8m) com potencial para pomares comerciais e quintais agroflorestais. Produz em abundância entre setembro e dezembro. Utilizada para consumo in natura, sucos, geleias, sorvetes e licores. Cadeia ainda incipiente, com produção predominantemente extrativista e comercialização local.

JERIVÁ (Syagrus romanzoffiana)

Palmeira nativa de ampla distribuição na Mata Atlântica, também conhecida como coqueiro-jerivá. Frutos pequenos, fibrosos, consumidos tradicionalmente por comunidades rurais e fauna silvestre. Apresenta potencial para produção de polpa, farinha e óleo comestível, ainda pouco explorado comercialmente. A palmeira também é utilizada em paisagismo urbano e fornece palmito de qualidade inferior ao da juçara. Estudos recentes indicam potencial para produção de biodiesel a partir do óleo.

GRUMIXAMA (Eugenia brasiliensis)

Frutífera nativa de frutos roxos ou negros, pequenos (1-2cm), doces e suculentos. Árvore de médio porte (até 15m) com bela floração ornamental. Frutifica entre outubro e dezembro. Frutos muito apreciados para consumo in natura, mas alta perecibilidade dificulta comercialização. Potencial para geleias, licores, sucos e sorvetes. Espécie com interesse crescente para pomares domésticos e sistemas agroflorestais. Praticamente inexiste cadeia estruturada, com comercialização restrita a feiras locais.

BUTIÁ (Butia spp.)

Palmeiras nativas de pequeno a médio porte, ocorrentes em formações abertas e bordas de mata. Frutos alaranjados ou amarelados, fibrosos, com polpa adocicada e levemente ácida. Tradicionalmente utilizados para sucos, licores e geleias por comunidades rurais do interior paulista. Potencial para produção de polpa congelada, similar à juçara, ainda não explorado comercialmente em escala. Espécie com valor ornamental significativo para paisagismo. Cadeia praticamente inexistente, com esforços pontuais de valorização em algumas regiões.

ESPÉCIES PARA RESTAURAÇÃO FLORESTAL

Além das espécies alimentícias, a Rede mapeia espécies nativas utilizadas em cadeias de restauração ecológica, com destaque para:

  • Essências florestais nativas: ipês (Handroanthus spp.), jatobás (Hymenaea spp.), cedros (Cedrela spp.), cabreúvas, guapuruvus
  • Espécies pioneiras: embaúbas, ingás, bracatingas, aroeiras
  • Espécies para recuperação de matas ciliares: guanandi, caixeta, tapiá
  • Palmeiras nativas: palmito-jussara, palmito-juçara, jerivá, indaiá

A cadeia de restauração florestal está em franca expansão em São Paulo devido a exigências legais (Código Florestal), pagamento por serviços ambientais, e mercado voluntário de carbono. Envolve coletores de sementes, viveiros, produtores rurais, empresas especializadas e órgãos públicos.

ESPÉCIES MEDICINAIS E AROMÁTICAS

Espécies com tradição de uso medicinal ou potencial para cosméticos e produtos de higiene:

  • Espinheira-santa (Maytenus ilicifolia): planta medicinal com propriedades digestivas
  • Guaco (Mikania spp.): uso tradicional para afecções respiratórias
  • Aroeira (Schinus terebinthifolius): anti-inflamatório, cicatrizante, óleo essencial
  • Pitanga (Eugenia uniflora): folhas com propriedades medicinais, frutos comestíveis
  • Erva-baleeira (Varronia curassavica): anti-inflamatório validado cientificamente

ESPÉCIES ORNAMENTAIS E ARTESANAIS

Espécies utilizadas em cadeias ornamentais, artesanato e design:

  • Bromélias nativas: diversas espécies com alto valor ornamental
  • Orquídeas nativas: valor ornamental e potencial para conservação ex situ
  • Taboa e junco: fibras para cestaria e artesanato tradicional
  • Cipós nativos: uso em móveis rústicos e artesanato
  • Sementes ornamentais: biojóias, artesanato, design sustentável

ACESSE O BANCO DE DADOS COMPLETO

O Banco de Dados da Sociobiodiversidade, atualmente em estruturação, reunirá informações detalhadas sobre centenas de espécies da flora paulista, incluindo:

  • Nomenclatura botânica e nomes populares
  • Características ecológicas e distribuição geográfica
  • Usos tradicionais e comerciais
  • Status de conservação
  • Aspectos legais e regulatórios
  • Produtores e iniciativas existentes
  • Referências bibliográficas e científicas

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